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Jogou fora os remédios

Nesse dia jogou fora o Rivotril na pia espirrando seu conteúdo no ralo, como uma bisnaga. O líquido viscoso com gosto bom, levemente adocicado que havia acompanhado seus dias durante uma década. Durante dois anos tentou livrar-se muito lentamente do benzoazepínico pois havia chegado ao número de 37 gotas,  equivalente a 4 comprimidos de 2mg . Tomava à noite para dormir  seis horas reconfortantes de sono. Depois de tanto sacrifício teve as recaídas. Ia buscar no posto médico um tubinho, tirava o rótulo. Por três vezes pegou o remédio para depois jogar fora.   Tinha medo da angústia que ainda  acompanhava sua rotina. Foram várias recaídas, pingava na palma da mão  3, 4 , até 5 gotas em dias perversos. Sempre quando acordava no meio da noite cheia de medo do presente. Sabia que se ficasse com ele novamente não poderia mais seguir como planejara. Firme , enfrentando pensamentos sombrios que tornavam sua mente um lugar insuportável de estar. Nesse dia acordou sentindo no corpo uma tristeza que até então não havia experimentado. Finalmente o corpo havia se desabituado daquela substância liquida. Deu-se conta que aquilo não era bom para ela mais.  Precisava  lutar pela felicidade. 

Essa gravura exprime o estado de espírito que vigorava em seu corpo e cérebro


Naquela mesma semana havia parado de tomar o antidepressivo que havia escolhido  como o próximo das tentativas inúteis para sair da melancolia. Fraqueza de ser. Medo de existir. Havia sido a Fluoxetina, depois de pesquisar se existia em gotas. O receio de passar mal era grande com doses mais altas. Então começara com apenas 3 gotas, como havia feito com o Escitalopram. Este último ficou tomando durante um mês, mas quando chegou em 5 gotas, teve um mal estar e sensação na cabeça insuportáveis que resolveu parar. O psiquiatra do posto médico até usara de ironia dizendo que o tratamento com ela deveria ser basal, já que tinha muita sensibilidade aos efeitos colaterais, como se isso fosse uma fraqueza. O homem nunca havia se conformado que ela não suportara a Bupropiona, tampouco a Desvenlafaxina, que no quinto dia de toma a havia jogado no inferno. Todo esse processo de passar pelo calvário várias vezes para  convencer-se de que  poderia tentar com sua  força química, neural, orgânica, mental , sair daquele pesadelo diário. Quem sabe não houvesse se esforçado da maneira certa. Estava amadurecendo e com isso percebendo o mundo de outra forma, mas junto com isso sua pele escurecia, ficava fina, frágil. Manter-se forte por dentro era difícil.

Nesse novo dia acreditava que  com vitaminas venceria seus fantasmas. O que transparecia ser uma maldita depressão da qual se convencera fazer parte.  Talvez fosse uma ilusão e tivesse que retornar a sua busca por curar-se de algo que não sabia o que era. 


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