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Urgência de viver

  Era uma urgência de viver tão grande que não lhe permitia pensar. Era um vozerio de tanta gente em sua cabeça que não lhe permitia gostar das pessoas. Em alguns momentos até gostava, como do filho. Um amor dolorido por que de precisar . Precisar tanto que já não servia para nada. Se buscava nos espelhos, se refazia nos olhares que lançava as pessoas na rua. Quem eram aqueles seres costas recurvadas que tanto lhe apavoravam.? Estaria ficando louca talvez. Mas não tinha certeza. O que sabia era que precisava fazer. Agir. Ter coragem de se olhar no espelho e gostar de si mesma. Por que foram tantos erros que deixara de gostar.
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O CAMINHO DO MEDO

Deixava-se inundar pela angústia como uma roupa usada a qual se agarrava para não alcançar a felicidade. Sempre achara que não merecia ser feliz. Não conseguia sentir-se em casa naquela lugar. Sentia-se uma intrusa no meio daquelas pessoas, quase uma criminosa. Tinha sido nesse tempo que morara ali,  frágil,  envolvendo-se em conflitos com moradores da casa. C asa  acolhedora, bonita, em o a uma vila arborizada, tranquila. Poderia ter sido feliz ali, mas não. Será que ainda seria tempo A imagem que criara a incomodava,  de uma mulher quebrada financeiramente, com parentes viciados em drogas. Esquisita, desiquilibrada. Problemas no aluguel havia tido.  Precisaria ganhar mais dinheiro para sair. Mas a  depressão ia minando as iniciativas que poderiam ser tomadas para ter mais sucesso profissional. A tristeza por ver-se menos bela e desejada. Então castigava-se.  Já não suportava ficar sózinha. Questionava-se se aquilo seria produto dos seus medos, um cansaço de si. Suportar-se era o gran

Jogou fora os remédios

Nesse dia jogou fora o Rivotril na pia espirrando seu conteúdo no ralo, como uma bisnaga. O líquido viscoso com gosto bom, levemente adocicado que havia acompanhado seus dias durante uma década. Durante dois anos tentou livrar-se muito lentamente do benzoazepínico pois havia chegado ao número de 37 gotas,  equivalente a 4 comprimidos de 2mg . Tomava à noite para dormir  seis horas reconfortantes de sono. Depois de tanto sacrifício teve as recaídas. Ia buscar no posto médico um tubinho, tirava o rótulo. Por três vezes pegou o remédio para depois jogar fora.   Tinha  medo da angústia que ainda  acompanhava sua rotina. Foram várias recaídas, pingava na palma da mão  3, 4 , até 5 gotas em dias perversos. Sempre quando acordava no meio da noite cheia de medo do presente. Sabia que se ficasse com ele novamente não poderia mais seguir como planejara. Firme , enfrentando pensamentos sombrios que tornavam sua mente um lugar insuportável de estar. Nesse dia acordou sentindo no corpo uma triste

A cantora

Lá estava cantando músicas eternas, choros de amor e modismos do rádio, aos amigos imaginários que lhe pediam estrofes com molho ao prato. Sem vontade, cresciam sua boca e olhos ao ver que a olhavam, esperavam que seus lábios combinassem notas num crescendo interminável, ao som do conjunto. Lembrava  aquele amor tão frágil, com fervor, de como  estremecia diante dos dedos longos daquele homem, criança inocente. Seu caráter em quatro paredes, o medo da solidão, do ridículo, coisas insossas que lembravam o vazio, a insatisfação de ouvintes-dançarinos, que ignoravam seu profundo palpitar. Tão carente como as bichas que por ali apareciam e sumiam, bobos da noite. Perseguia, feito eles, com passos invisíveis, homens e mulheres nas ruas sem saber por que.  Cantava boleros, tangos em borbotões de vogais, naquela noite. Trabalhava a voz rouca lentamente no palco pobre. A bebida passando. Os copos tilintavam no espaço lânguido do bar. Pensava nos olhos sombrios e ardentes do amante. Quando pela

Uma sessão

Amanda resolveu ir ao psicólogo. Ligou  perguntando se lhe seria cobrada  consulta. A moça disse que o melhor era falar disso depois.  Técnica utilizada por psicólogos: não falar em valores na primeira conversa, isso já estaria envolvendo o paciente, trazendo-o para a consulta pensava Amanda. No dia determinado entrou na saleta alugada em um prédio comercial do Catete, sentindo-se totalmente inadequada. A mulher ainda era jovem, essa terrível doença , velhice estaria em segundo plano ali.  Pela primeira vez  ao defrontar-se com um psicólogo sentiu cansaço para falar. Não sabia por onde iniciar o discurso, eram tantos os fios, tantas histórias. Carregava um livro grosso nas costas. Um livro que a fazia curvar-se diante da vida. A psicóloga não falava,  apenas fazia um som com a boca que a irritou. Parecia estar ruminando expectativas. Ali estava com um nome falso, seria  mais fácil escapar caso não gostasse. Precisava saber por que sentia tanta tristeza, como se tudo tivesse sido inútil

Maratonas e humores

Saíra pela manhã de casa  para correr embora não soubesse se o queria realmente. Uma força física a empurrava. Como um animal enjaulado buscava a liberdade. Enjaulada em suas próprias armadilhas existenciais.  Não suportaria estar em casa o dia inteiro. Naquela casa antiga. Precisava cuidar das partes quebradas nas lajes do pátio. Os batentes das portas descascando. Fogão e geladeira enferrujando .A gata que havia sofrido maus tratos por sua família agora  com ela. O bichano era  agitado .Devia já ter seus 15 anos, urinava na base da geladeira a noite e as vezes na porta de seu quarto. Haveria  de colocar uma bacia de areia em cada ponto onde ele urinava. Chegou ao aterro do flamengo que no domingo sempre se encontrava fechado para carros. Dava-lhe  prazer redobrado, pela amplitude de horizontes, espaço largo para correr. Sentia o corpo pesado. Sempre associava estas sensações a idade que lhe pesava mais do que deveria pois gozava de boa saúde.  Ao passar pelo praça sentiu emanações ne

Aplicativo de desencontros

Laura era depressiva, daquelas que disfarçam bem. Porque seguia sua vida, mas com o tempo aquilo vinha aumentando, aquele vazio dentro do peito. Estava envelhecendo e não mais teria os olhares dos homens sobre si. Deveria existir além do corpo, transcender toda a materialidade que havia regido sua vida até então. Os espelhos já não serviam de apoio. Deveria aceitar que agora seu organismo estava mudando, transmutando. Ainda tentava buscar um parceiro em aplicativo de encontro. Apesar de sentir-se mais atraída por homens mais jovens do que ela, configurou suas buscas para homens mais velhos. É claro que homens mais velhos buscavam sempre mulheres mais novas. Então apostou no perfil de um homem que  dizia ter 64 anos , professor de direito em universidade aposentado e que parecia ser otimista. Na primeira conversa ao telefone percebeu a impaciência do sujeito, porque ligava insistentemente e não entendia por que ela não atendia, como se atende-lo fosse infringir alguma lei da natureza. T