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Aplicativo de desencontros

Laura era depressiva, daquelas que disfarçam bem. Porque seguia sua vida, mas com o tempo aquilo vinha aumentando, aquele vazio dentro do peito. Estava envelhecendo e não mais teria os olhares dos homens sobre si. Deveria existir além do corpo, transcender toda a materialidade que havia regido sua vida até então. Os espelhos já não serviam de apoio. Deveria aceitar que agora seu organismo estava mudando, transmutando. Ainda tentava buscar um parceiro em aplicativo de encontro. Apesar de sentir-se mais atraída por homens mais jovens do que ela, configurou suas buscas para homens mais velhos. É claro que homens mais velhos buscavam sempre mulheres mais novas. Então apostou no perfil de um homem que  dizia ter 64 anos , professor de direito em universidade aposentado e que parecia ser otimista. Na primeira conversa ao telefone percebeu a impaciência do sujeito, porque ligava insistentemente e não entendia por que ela não atendia, como se atende-lo fosse infringir alguma lei da natureza. Trocou palavras pelo celular onde ele dizia estar tomando antidepressivos. Laura pensou, talvez conhece-lo a ajudasse a aceitar remédios para a depressão. Depois de uma semana resolveu encontrá-lo, longe de casa, achava arriscado dizer seu nome verdadeiro para um homem desconhecido. Mentiu onde morava. Na verdade era um homem cheio de rancores. Parecia é claro mais velho do que na foto. Apesar de classificar-se como depressivo, tomar medicação há dez anos, se acreditava bonito. Procurava alguém para amar e ser amado dizia. Quem sabe Laura não o salvaria do suicídio. 

Enquanto o olhava na mesa de café da Padaria da Santo Amaro, tentava convencer-se sobre se valeria a pena ter um relacionamento com aquele senhor distinto. Ele disfarçava sua riqueza, mas morava em apartamento próprio em Ipanema, além de possuir uma casa em Ingá , Niterói. Ingá esse que dizia ser um bairro de marginais, invasões de domicilio,  uma terra de ninguém, mas o bairro onde vivera sua mãe e onde havia se criado. Cobrava um aluguel muito baixo, dizia. Também havia se metido em produção de eventos com uma ex namorada  que o havia trapaceado nos negócios. Embolsara a mulher,  na produção de eventos e festas, alguns milhões dos quais esse  homem não vira a sombra. Um passado do qual não conseguia livrar-se, amargurado e egoísta. Ao levantarem-se Laura teve a resposta. O homem caminhava devagar e com dificuldade, ao segurar não mão dela mais apoiava-se do que seguia seguro. Tinha labirintite. Teria de cuidar dele para ter uma vida de vantagens e Laura agora não podia mais fazer isso, havia de pensar mais em si . O deixou na entrada do metrô pensando no por que não voltava de táxi. Logo mais ele havia ligado e Laura não atendeu. Tinha um ego tão imenso que surpreendeu-se com ela não ter atendido. Escrevendo que não entendia o que nele a havia desgostado.

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