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A liberdade do vendedor de balas

Estava parada esperando o ônibus em frente ao Shopping Rio Sul lá pelas nove e meia da noite. Vi aquele sujeito debruçado sobre algumas pessoas que estavam  num banco sentados,solícito com a roupa e os sapatos pretos de couro bons e  limpos, parecia estar oferecendo algo. Pela posição inclinada parecia amigo daquelas pessoas, até que percebi que carregava uma caixa nas mãos e estava tentando convencer aqueles jovens a comprarem algo. Passou logo por mim e enfiou assunto perguntando se não queria balas....

Quando estou em situação financeira delicada costumo tratar bem essas pessoas como se fosse parte do mundo delas. Ele viu minha fragilidade quando disse que não tinha dinheiro por que estava desempregada (é um truque que uso para afastar os ambulantes sem que se sintam diminuídos). Seu olhar se iluminou quando eu disse isso e acrescentei que  se estivesse com dinheiro lhe comprava mas só tinha os dez reais para a passagem.
- Eu prefiro vender balas do que ter um emprego fixo, disse. Eu estou bem, vê minha roupa? Eu não sou feio. E você o que faz? 
Eu respondi. E o homem retrucou: - Eu sou formado em Direito,falou um pouco de espanhol,dizendo uma frase com pronúncia suspeita seguida de outra em francês, e veja, estou aqui nas ruas vendendo balas. Vê essas pessoas que trabalham no shopping , é só aparência por que não tem sequer dinheiro para comprar balas. Essa gente não tem dinheiro e olha o meu bolso, e segurou o bolso cheio de moedas, olha!! Dizia sacudindo o bolso.
Isso me deixou pensativa. A filosofia contida nessa simples constatação genérica.
- Só não tenho os dentes, disse  sorrindo matreiro  mostrando a falta dos dois dentes superiores do meio. -Mas isso foi por que cai de frente e deu uma risadinha marota. Mas se fosse feio né, tivesse a cara amassada e não tenho, seria pior! Percebe esse cheiro, é o perfume que coloco Yves Saint Lorrant,disse orgulhoso. Olhei para o pequeno pacote de balas. Era seu instrumento de trabalho. E seguiu a conversa quando viu que lhe dava atenção, perguntou onde eu morava, se tinha filhos, se era casada. Eu disse que tinha namorado e ele : Mas você está bem com ele? O homem até que não era feio aparentando uns 35 anos e se animou comigo dizendo você é uma gracinha sabe...mas para meu alívio o ônibus passou naquele momento. Já me sucedeu isso várias vezes, ao entrar no mundo dessas pessoas e dar conversa e confiança quando são homens ficam animados.
Pensei sobre ter carteira de trabalho e em como isso é valorizado como um troféu. Se por acaso tentarmos não ter uma dessas é um luta para que entendam que sim se pode viver sem ela.
A liberdade de existir ao seu modo sendo feliz. E discutir liberdade não é fácil. Afinal o que é ser livre?O vendedor de balas que diz que é livre por que percebe a falsa riqueza dos que a princípio para ele não podem comprar balas e vivem de aparência. Se apega a essa idéia como um náufrago.
É fundamental ser bem sucedido quando não se tem uma CTPS, e acima de tudo é preciso ter coragem.

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