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  SOLIDÃO
 
 As pessoas voltando as suas casas, loucas por um banho, um cheiro de sabonete, as coisas familiares.O arrepio.Nós dois, lutando indefinidamente, a bondade e o egoísmo, o branco e o negro, o romantismo e o sarcasmo. Nós dois  já não suportamos essa perseverança, mas temos medo. Medo da solidão. De não conseguirmos concretizar planos e projetos, um sem o outro. Talvez seja o amor disfarçado nas suas mil formas cacueteiras.
        As pessoas são tão simples e tão cruéis....
Como acreditar nos vizinhos, nos transeuntes, naquele senhor idoso que descansa sob a cadeira, na calçada? Como acreditar nas tuas tão maduras constatações sobre humanidade? É uma guerra maluca entre casais, entre vizinhos pela alegria de mantermos nossos princípios.
        Um foguete atravessa um céu  carregado mas sem nuvens, sem nebulosidade. Eu e meu corpo assistimos da janela, nesse entardecer suave e agonizante, morrendo conosco. Com esses carros no bairro e as vozes das crianças buscando objetos reluzentes, ponteagudos ou gordos. O entardecer traz com ele um pouco de uma febre que anuncia cortezmente o profano e rotineiro dia de amanhã. Eu me acalmo nos entardeceres. Me sufoco com esta mudança paulatina de cores e não me atrevo a acender a luz com medo de quebrar o encanto.Aí então talvez ele chegue com suas notícias sobre pessoas interessadas no meu trabalho, no meu dom. Me despertando com sua galhardia, encanto pessoal, para atirar-me com mãos de bondade no mundo dos compromissos burocráticos.
        A primeira luz da rua se acende com seu fluorescente doméstico, dando às árvores um ar futurista. Os namorados vão encontrar-se para a troca excitante de beijos à entrada dos portões. As mães da vizinhança ficam mais neuróticas com a insistência dos rebentos.Como delicio -me em olhar pela janela as outras janelas que se iluminam, revelando mais das intimidades alheias. Onde uma janela esconderá um grito assustado de um poema, um sentimento obscuro de quem vê o mundo com outros olhos sempre iluminados. Escuto um choro que é um grito de protesto e dor de uma criança, cortando meus detalhes. Levando ao óbvio o doméstico estar vivo. Gritinhos. Manhas.
        Será que ele virá a tempo de encontrar-me estranhamente às escuras, trazendo-me a esta guerra, a este duelo de personalidades, na incansável ilusão do amor de casais.
        Fico no escuro e quase já não consigo escrever, escutando as impertinências da criança. Crianças que fazem o orgulho de suas mães reencontradas. Será meu o reencontro, quando ele por fim entrar cansado, carregado de problemas insolúveis, arrastando sua sempre tenaz vocação para a perseverança, com os olhos doces e nervosos por não conseguir entender sua própria busca, de um lugar, agindo como os profissionais do mundo. Será meu o reencontro, o enterro, o pigarro, o medo de entender se meu caminho deverá ter esse destino, este homem, esta noite que chega, que me faz enterrar uma mulher livre e despertar uma mulher amorosa e prisioneira. Será que esta noite me revelará?

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